quinta-feira, 23 de agosto de 2007

lembramos aos amigos

Lembramos aos amigos.

Olho os amigos como quem se despede,
uma vez por dia. Olho-os para que não os esqueça,
para que se guardem as suas imagens dentro
das pálpebras.
Hoje chove porque me esqueço aos poucos
de onde vieram. Termino o dia pensando neles,
nos amigos.
E as suas palavras realçam-me as
marcas que tenho pelo corpo, erguem-se
pelas mãos as suas vozes quando todos
os outros se calam
falam como amigos.
O corpo é uma febre conjunta - como que se
estendesse pela memória o desenho de um
país que se guarda na algibeira ao partir - e
continuo a partir daqui, onde os barcos viajam,
onde as gaivotas chilream
enquanto o sal se estende pelas minhas
narinas.
O vento alarga-me a roupa que se
moldou ao sabor dos dias. Penso no hoje e ele
raia-se pelo rio, surgem palavras de apreço
pelas luzes pelas ruas
e os amigos soltam-se de nós
Como uma prisão de espuma. São um momento
em que a fome se torna grande demais para os olhos,
onde tudo o que jaz à nossa volta é efémero
perduram como pequenas árvores em torno
de nós.
Devolvo-lhes um tempo de cada vez. Restítuo ao
que foram o peso das letras e dos campos - respirámos,
em espaços, o mesmo ar.
É quando se nos cresce um soluço pela garganta
que vemos - a chuva nada mais é que um som
- aí lembramos aos amigos o que somos
e porque os olho com o volume da despedida nas mãos.



Sérgio Xarepe
- "Em lugar das mãos o mundo."

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